
“Frases controversas”, copyright Jornal do Brasil, 15/12/03
Por DEONÍSIO DA SILVA
“‘Boa sorte, senhor Gorsky!’; ‘É um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade.’
Qual destas duas expressões integrou as primeiras palavras que o astronauta Neil Armstrong proferiu ao descer no Mar da Tranqüilidade e tornar-se o primeiro homem a caminhar na superfície da Lua? Há controvérsias.
‘Quando a lenda for mais interessante do que a realidade, imprima-se a lenda.’ A recomendação apareceu em 1962 no filme O homem que matou o facínora, de John Ford.
Eram 5h56min56s do dia 21 de julho de 1969 e o mundo inteiro estava de olho na televisão, que transmitia ao vivo.
O segundo homem a pisar na Lua, acompanhando o comandante do módulo Eagle (Águia), foi Edwin Aldrin Jr. Enquanto isso, na nave-mãe, a Apollo 11, o terceiro deles, Michael Collins, tornou-se o mais solitário dos homens.
Quando estava no lado escuro da Lua, ficava sem comunicação nenhuma: nem com os dois do módulo, nem com o resto da humanidade aqui embaixo. Os três tinham a mesma idade: 39 anos.
A controvérsia das primeiras palavras do homem na Lua diminuiu um pouco há alguns anos. Num debate realizado na Flórida, Armstrong teria explicado o seguinte.
Quando menino, foi apanhar uma bola de beisebol que caíra perto da casa do Sr. Gorsky, vizinho de seus pais, e ouvira a esposa dizer: ‘Sexo oral, você quer sexo oral? Só quando o filho do vizinho for à Lua’.
Muitos anos depois, apenas o casal, dentre os milhões que assistiram à alunissagem, teria entendido a saudação enigmática.
Contribui para a permanência da lenda, em vez de servir para erradicá-la, justamente a ausência da frase nas fitas de áudio e de vídeo da Nasa.
Também no Brasil há muitas frases lendárias. Uma delas é atribuída ao estadista francês Charles de Gaulle.
Ao visitar-nos, irritado com vários atrasos, teria dito: ‘O Brasil não é um país sério’.
Mais tarde surgiram indícios de que o autor da desfaçatez teria sido um brasileiro. Mas Charles de Gaulle teria exarado juízo ainda mais adverso sobre a França: ‘Não se pode governar um país que tem 246 variedades de queijo’.
Frases repetidas passam de boca em boca, sofrem alterações e por fim não se sabe mais qual a versão original. Entram para o reino das anedotas.
Anedota é palavra que veio do grego anékdota, coisas inéditas, ainda não publicadas. O português tomou do grego o plural de anékdotos.
Foi o historiador grego Procópio, que viveu em Bizâncio entre os Séculos V e VI, o primeiro a publicar anedotas cheias de curiosidade como anexos de sua História das guerras de Justiniano.
Mas duas outras frases famosas podem ser documentadas, de que é exemplo ‘Rico ri à toa’. Foi registrada pelo jornalista e poeta Paulo Mendes Campos, nos anos 40, ao receber uma foto do presidente Getúlio Vargas para legendar.
Ao ver sua foto com legenda ‘Rico ri à toa’, o próprio presidente achou graça no feito do poeta-jornalista. E sorriu mais uma vez.
Getúlio Vargas tornaria célebre outra frase. ‘Deixo a vida para entrar na História’ está em sua carta-testamento, assinada momentos antes de suicidar-se, na madrugada de 24 de agosto de 1954.
O autor da frase usou um eufemismo, ‘deixo a vida’, no lugar de ‘morro’.
Eufemismo veio do grego euphemismós, pela formação eu, bem, bonito, e phemismós, dito, do verbo phemi, dizer. O prefixo eu está presente também em outras palavras do português, como eugenia (boa geração) e eufonia (voz bonita), cujo antônimo é a cacofonia, com outro prefixo, kakos, feio, desagradável.
Para os antigos gregos, kakos designava também o estrangeiro, que falava mal o grego, e o aleijado.
Quando a personagem não disse certa frase, mas o jornalista escreve que disse, fica a lenda, que quase sempre prevalece sobre a verdade factual. Pois as palavras voam, a escrita permanece.”