Epidemia, pandemia, democracia. Não confundir a segunda e a terceira com pandemônio, palavra que o poeta inglês John Milton, secretário de Línguas Estrangeiras, criou no Século XVII para designar o Palácio de Satanás no famoso livro “Paraíso perdido”.
Epidemia afeta apenas algumas regiões. Pandemia afeta o mundo todo. Epidemias, pandemias e democracias são periódicas no Brasil e no mundo. Vão e voltam, às vezes muito disfarçadas e quase irreconhecíveis.
Desta vez veio da China, com escalas em outros países antes de chegar ao Brasil, o vírus mais temido hoje no mundo, batizado pelos cientistas por Sars-CoV-2 (abreviação em inglês de Síndrome Respiratória Aguda Grave-Coronavírus-2), causa da doença designada por Covid-19, abreviação em inglês de Coronavirus Disease 2019, ameaçando levar meio mundo para a cova. São velhos conhecidos dos cientistas, agora em edições revistas e ampliadas
Também seu nome veio de longe. Somos filhos das antigas Grécia e Roma, não saímos do mundo greco-latino e ele não sai de nós. Corona e vírus são palavras latinas, coroa e coisa nociva, respectivamente, e disease , grega, significando doença, do latim vulgar dolentia , que dói, que o latim culto designava por morbus , e está no português morbidez, mórbido. É do mesmo étimo de mordere , morder no sentido de matar, causar dano.
As palavras também têm suas biografias, autorizadas e não autorizadas, e ambas esclarecem muitas coisas. Vírus veio do latim virus , sumo de plantas prejudicial à saúde. Os antigos gregos o chamavam iós , veneno, e o tomaram da raiz indo-europeia weiss , fluir, escorrer.
Entre as voltas que as palavras dão, vírus já foi sumós , não um veneno, mas um caldo escuro, mélassumós , feito com carne de porco fervida no sangue do animal, temperada com azeite e vinagre. Muito apreciada pelos soldados espartanos, a sopa foi servida a seu senhor em Roma por um escravo que tinha sido cozinheiro em Esparta. “Agora sei por que eles não temiam a morte”, disse ele ao experimentá-la e cuspir.
Hoje, a ciência reina soberana, mas já houve muitas explicações estapafúrdias. Demócrito e Aristóteles, entre outros, defendiam a geração espontânea. Eles davam o exemplo da carne podre, de onde nasciam moscas. E a humanidade acreditou nos imaginosos gregos por dois milênios.
No Século XIV, ainda vigorava a crença popular de que árvores à margem de rios e lagos davam gansos, e outras à beira de pastos davam melões recheados de carneiros. No século XVI, o cientista Paracelso concluíra que sapos, ratos, enguias e tartarugas podiam nascer da água, de madeira podre, de montes de palha etc.
Entre os séculos XVI e XVII, o cientista holandês Jan Baptista van Helmont, contestando as dúvidas de Thomas Browne sobre a geração espontânea, deu até uma receita para produzir camundongos: manter num recipiente aberto uma camisa suja de suor e algumas sementes de trigo. Em três semanas nasceriam ratos.
Mas no século XVII o italiano Francesco Redi provou que os vermes só apareciam na carne podre se esta tivesse tido contato com moscas vivas. Quando o francês Louis Pasteur e o inglês Thomas Huxley, ambos no século XIX, pesquisavam a miúda bicharada das bactérias, já sabiam que era impossível a abiogênese: do Grego á , sem, + bíos , vida, + génesis , criação, então definida como um princípio ativo.
Ativos, de fato, eram e são os vírus. O vírus deixou de ser sumo, suco ou veneno depois que em 1892 o russo Dimitri Ivanovski mostrou que havia seres ainda menores do que as bactérias de Pasteur, por cujo filtro de porcelana eles passavam e se reproduziam nas células.
Pasteur adotara “bactérie”, bactéria, como a chamara em francês o alemão Christian Gottfried Ehrenberg, adaptando-a do grego bakteria e do latim bacterium , nessas duas línguas designando apenas bastonete, pela forma de bastão dos micro-organismos. Também o coronavírus recebeu seu nome pela aparência de coroa que o vírus tem.
Hoje, nem sopa nem veneno, os vírus parecem ter encontrado o eterno retorno e sempre voltam mudados e mais fortes. O mais terrível voltou rei: coronavírus. E já tem sucessor: o novo coronavírus. A vida é luta renhida contra ele, viver é lutar.
Deonísio da Silva é professor e escritor